Fracasso na busca por fugitivos de Mossoró após 1 mês expõe governo federal
A busca pelos dois fugitivos da Penitenciária Federal de Mossoró, no Rio Grande do Norte, chega nesta quinta-feira (14/3), a um mês. Deibson Cabral Nascimento e Rogério da Silva Mendonça foram os primeiros a escaparem de uma cadeia federal, sistema que existe desde 2006. Cerca de 500 agentes tentam recapturar os fugitivos, ligados ao Comando Vermelho (CV), mas fracassaram até agora diante das táticas usadas pelos detentos e pela geografia da caatinga potiguar.
Ministro da Justiça e Segurança Pública, Ricardo Lewandowski voltou a Mossoró nessa quarta-feira, 13, e afirmou que há fortes indícios de que a dupla segue na região. Ele diz ver “êxito” na mobilização, uma vez que os bandidos supostamente não deixaram o perímetro delimitado entre Mossoró e a divisa com o Ceará.
Internamente, a percepção é de que o maior dano à imagem da governo foi a fuga em si, mas a demora na recaptura incomoda. O argumento nos bastidores do ministério é de que a caçada em 2021 a Lázaro Barbosa, o “serial killer” do Distrito Federal, foi mais veloz devido ao rastro de violência deixado pelo criminoso, que fez reféns e trocou tiros por diversas vezes com a polícia.
Os detentos de Mossoró são vistos como mais “furtivos”, com potencial maior de executar a fuga, justamente por adotarem estratégia discreta. Já em relação a cobranças do Congresso, a pasta encara clima menos ameaçador.
Presidente da Comissão de Segurança Pública da Câmara, Alberto Fraga (PL-DF), tem desarticulado pedidos de convocação de Lewandowski; a intenção é de que o gestor seja só convidado a comparecer.
“Não são presos fáceis de serem capturados, por isso estavam em presídios de segurança máxima. O governo federal tem de reconhecer que negligenciou, apresentar os culpados no sistema penitenciário, porque ali teve facilitação. Está na hora de suspender gastos, essas coisas midiáticas que não vão prender (a dupla)”, disse Fraga à reportagem, em referência ao uso de drones e quantidade de agentes.
Por outro lado, elogia a resposta à crise. “O ministro estava com seis dias no cargo. Tomou conhecimento do caso, foi lá, exonerou toda a diretoria, instalou processo apuratório”.
O caso expôs ainda problemas da unidade federal, que tinha câmeras desativadas e iluminação precária. Os homens escaparam pela estrutura da luminária, que foi quebrada, e cortaram grades externas com alicates.
Neste mês, Fernandinho Beira-Mar, líder do CV que estava na mesma cadeia dos fugitivos, foi transferido para outra prisão federal.
O ministério diz ter adotado providências de reforço, medidas ampliadas também para as outras quatro penitenciárias federais. A operação segue ocorrendo no local e visa também a reforçar a segurança dos moradores, diz a pasta.
A força-tarefa composta por diferentes agências, como a Polícia Federal, a Polícia Rodoviária Federal (PRF) e a Força Nacional, tem concentrado as buscas na zona rural de Baraúna, vizinha a Mossoró. É lá que fica o Parque Nacional da Furna Feia, onde há mais de 200 cavernas de diferentes profundidades e dimensões. A chuva que cai sobre a região é mais um obstáculo, por comprometer a qualidade das estradas vicinais e favorecer a expansão da vegetação.
A cerca de sete quilômetros do presídio, o Parque Nacional da Furna Feia tem sido uma aposta nas estratégias de busca, mas também um desafio. Isso porque os agentes têm encontrado dificuldade de caminhada e de se localizarem na área de 8,5 mil hectares. “Agora é como achar agulha no palheiro”, compara o coronel da reserva da PM de São Paulo, José Vicente da Silva Filho, que já foi secretário nacional de Segurança Pública.
Durante o período das buscas, a dupla de criminosos já fez uma família refém, conseguindo comunicação com comparsas de outros Estados. Posteriormente, Deibson e Rogério se alojaram em um sítio, cujo proprietário foi posteriormente preso pela PF sob suspeita de ter ajudado a esconder os fugitivos; ele diz que foi mantido refém e obrigado a prestar apoio.
Já houve seis presos sob a acusação de ajudarem na fuga de alguma forma; as prisões foram em cidades do Ceará e do Rio Grande do Norte. Segundo Lewandowski, a investigação aponta que tem havido ajuda externa à dupla, que também se beneficia de furtos de alimentos de pomares da região.
Equipe de servidores do parque da Furna Feia tem auxiliado as forças de segurança. A unidade prisional de Mossoró está em uma área de grande extensão de Caatinga, vegetação cuja característica oscila entre períodos de estiagens e chuvosos.
Desde o fim de semana, a Empresa de Pesquisa Agropecuária do Estado (Emparn) estima precipitações acima dos 22 milímetros na região. “Com as chuvas, muitos trechos da zona rural ficam com difícil acesso por causa da lama e a copa das árvores ficam mais cheias, o que torna tanto o trabalho de busca mais difícil, como também a possibilidade de caminhada deles (fugitivos)”, explica Erivânia Melo, secretária de Agricultura de Baraúna.
“Considerando que muitos agentes são de outros locais, acabam não se orientando com facilidade na região. E há os perigos nos animais nativos e as condições da vegetações”, relata Leonardo Brasil, gestor do Furna Feia. Eles buscam pegadas e vestígios de utensílios deixados pelo caminho.
O parque tem 28 profissionais, entre analistas e técnicos, além da equipe administrativa. O espaço é visitado quase integralmente por equipes com fins pedagógicos e de pesquisa, mas os agendamentos estão suspensos desde a fuga. Permanecem só as atividades de gestão, manutenção de acervo, das trilhas e das cercas.
“As cavernas estão espalhadas em uma área muito longa, mas é pouco provável a possibilidade de estarem alojadas em uma delas, porque elas não têm saída e temos todas identificadas”, afirma Brasil.
Membro da Comissão de Segurança Pública do Senado, Alessandro Vieira (MDB-SE) vê falhas. “Claramente tem problema de coordenação nas buscas, isso pode ter gerado efetiva evasão daquele perímetro dos investigados, que já receberam em mais de uma oportunidade auxílio externo”, diz.
“Operações conjuntas, envolvendo forças com culturas e cadeias de comando diferentes, exigem planejamento bem feito e coordenação central. Me parece que isso demorou a acontecer”, critica.
Geografia dificulta, mas falta de resultado indica falhas, dizem especialistas
Especialistas afirmam que, em que pese os obstáculos geográficos do local (zona rural, presença de grutas, estradas vicinais), a dificuldade para deter os criminosos dentro de um mês preocupa e indica falhas na execução dos trabalhos das forças de segurança.
Eles alertam também que, quanto mais o tempo passa, mais difícil fica prender novamente os dois fugitivos. “À medida que os dias vão passando e não há sinais de que eles não estão perto de serem capturados, eu confesso que fico mais cético e aumentam as probabilidades deles se tornarem foragidos por muito mais tempo do que desejamos”, diz Luís Flávio Sapori, sociólogo e professor da PUC Minas.
“Era de se esperar que, a medida que fossem encontrados vestígios, a área de vigilância fosse diminuída. Isso aumentaria as chances de captura. Mas não é o que aconteceu até agora”, afirma Sapori.
Outra razão citada por Sapori que faz o tempo jogar contra as buscas é próprio cansaço e fadiga dos policiais empenhados há quatro semanas na operação. “Há um desgaste natural dos agentes. Esse cansaço físico vai diminuído a capacidade de vigilância e monitoramento por parte deles”, diz.
O coronel José Vicente da Silva Filho também acredita ser mais difícil a recaptura após um mês. “É previsível que, se não apanhar o preso dentro de uma semana, é improvável que consiga em tempo maior.”
Outra dificuldade apontada por José Vicente é o fato de os detentos não estarem em uma área onde funcionam os seus negócios lucrativos, motivo que os levaria a permanecer na região. Como nada os prende ao local, é provável que os foragidos se desloquem de forma constante e, possivelmente, sem uma direção certa.
“Imagina uma área rural de Rio Grande do Norte, Ceará ou outros Estados vizinhos. Agora, é procurar uma agulha dentro do palheiro”, diz o oficial.
Com um mês de procura, é preciso considerar também o custo benefício da operação, analisa o especialista. Para ele, é prejudicial manter policiais fora das atividades para as quais as PMs originalmente devem se dedicar. “O trabalho da polícia, em geral, não é prender criminosos (nessas circunstâncias); é proteção com patrulhamento, policiamento”, diz o especialista.
“Rio Grande do Norte e Ceará são dois dos Estados mais violentos do País. Não se pode desperdiçar recursos com dois bandidos, quando existem muitos outros que também demandam preocupação”, afirma.
Segundo o especialista, a fuga revela “um enorme conjunto de falhas” na administração das penitenciárias federais. “Isso expôs as entranhas da gestão dos presídios. A ideia de gestão é manter funcionando tudo o que está programado. E o que vimos foi um enorme conjunto de falhas”.
Zona rural
A distância entre Mossoró e Baraúna é de aproximadamente 35 quilômetros e, ao longo deste quase um mês de busca, as ações da força de segurança foi se estendendo até chegar a divisa com o Ceará.
O produtor rural José Saldanha, 49 anos, explica que, pelo seu desenho geográfico, Baraúna é conhecida como uma “cidade formigueiro”. “A cidade faz divisa com muitos municípios e, como nossa zona rural é muito extensa, ainda tem as veredas e estradas carroçáveis que cortam pelo meio da mata”, explica ele.
Por Baraúna, o RN tem acesso aos municípios cearense de Aracati, Jaguaruana, Russas, Quixeré e Limoeiro do Norte, todas com barreiras montadas pelo policiamento, além das estradas vicinais.
A maior parte dos agentes de segurança estão na região norte da zona rural de Braúna, uma área da cidade que concentra mais de 200 propriedades entre fazendas e sítios e movimenta 4 mil trabalhadores do campo. “Aqui tem fazendas de todo porte. As maiores, plantam mamão, banana e melão com destino ao mercado internacional, já os menores produtores abastecem o mercado aqui da região”, detalha Saldanha.
Nas duas vezes em que a força-tarefa aponta ter chegado próximo aos dois fugitivos, as informações foram repassadas pela comunidade rural e os vestígios estavam em fazendas ou sítios.
A primeira delas foi em 29 de fevereiro, vistos em um assentamento agrícola próximo de uma plantação de bananas. Já em 3 de março, os relatos são que fugitivos invadiram uma propriedade rural e agrediram um agricultor que estava sozinho no local. (Agência Estado)